
– Vai se matar?
– Tenho pai e mãe ainda vivos.
– Não foi essa a pergunta.
– Estudei o Mito de Sísifo.
– Pode ser mais claro?
– Sou obrigado.
– A me explicar o que quer dizer?
– A dizer que o melhor cookie do mundo é vegano, você acredita?
– O que isso tem a ver com a minha pergunta inicial?
– Hoje é dia noturno, não há sol que possa iluminar.
– Qual dor é essa?
– Daquelas que ardem sem se ver.
– Isso é Camões?
– Sim. E não haverá mais piadas com mamão.
– O que está acontecendo?
– Não adianta tentar explicar, Inês é morta. E isso também está em Camões. E, sabe, Camões está em nós.
– O que você tira disso tudo?
– Eu posso ouvir. Há o tique-taque incessante, mas não há relógio em vista. Só há o som, o inexorável. Galopa o cavalo do apocalipse sem sinal de cansaço. É o destino do universo a contração, a expansão, a criação e a destruição. Não há o que não acabe e não existe o que não estrague. Bom, menos o mel. A doçura única da natureza que não tem data de validade desde que não seja contaminado. Que coisa essa. É por isso que é tão sério escolher honey para chamar alguém de sua estima. Não usar o substantivo em vão, um dos mandamentos.
– Como você está se sentindo?
– Com vontade.
– De quê?
– De acabar com tudo, por um fim em tudo, deixar de ser tudo.
– Está bastante confuso.
– Basta bloquear ou ignorar. As similaridades com seus monstros são o que mais lhe compromete a convicção. Atacar é verbalizar as semelhanças. Tempos líquidos, amores líquidos.
– Supere!
– Mais alguma ordem ou sugestão?
– Não, só a mesma indagação. Você vai se matar?
– E o que resta para matar que já não esteja sem vida? Carne fria, decomposta, mente de lembranças pálidas. Se o coração bate é por involuntariedade. Os pés doem porque tem de suportar o peso. Olhos veem e enxergam, mãos procuram mas não encontram.
– Então, o quê?
– Citar Manuel Bandeira.
– Dizendo?
– A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.