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Vê a tez caiada que repousa em meu braço, uma dama jaz em mim
Tem dois olhos sobre o naso, logo próximo a dois dos lábios
Que me encantam, outrossim
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Os membros tombam ao acalanto, quão leve esta donzela!
O coração vibra em carícias e lapida sem cautela
Adormecida, suspira a vida
Murmura aquilo que é mais belo
O seu nome balbucia, ronrona um evangelho
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Oh céus da primavera, esta mulher não sei quem é!
Nas esquinas ela é Lou
Na alcova é Salomé
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Chicote pede ensejo como tal, pois se trata da mulher
Além da mulher, überfrau
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Dinamite!
Na língua há pólvora e das ancas faíscam cheiros!
Nasce a flama
O fogo me queima por inteiro
Mas sangra a coisa humana e recusa ao que vicejo
A língua está no cio, blasfema carmim desejo
Vejo, mas não desfruto
Só me resta o uivo agudo, o ganir do mineteiro
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Sossega o amor sobre o lençol com cantigas da pátria amada
Serena mas desvairada, com a voz doce em bemol
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Oh, o tórax!
Primeiro infla, então expira, incandescente se esvai
A cama toda se acende, o dorso se contrai
Feito tigre se arrepia, como serpente silva o ar
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Tenho olhos que agonizam a tragédia premente – ela notou
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Como céu rosa-poente, a mão orquestra o fenecer
Uma sinfonia média, a nós ilude a eternidade
Posto que agrade, tende a desaparecer
Ao diluir na foz a vontade, sua vontade de poder
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Ferem-nos as horas
Canhões na madrugada em sincronia ao miocárdio
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À ironia do destino soa um piano em descompasso
Em marchar soturno, ecoa sobre a neve a bota do soldado
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A alvorada se anuncia em cores
E no som das revoadas
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É mister coragem para colher tal selvagem flor no cume
Venusta e pacata, tão quente que cintila
Corteja com perfume e destila galhardia
No coração há revolta
No seio há ardume
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Já retorna o meio-dia! O grande meio-dia!
Alinha-se o Sol ao som do quebra-nozes
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Lá fora derrete o gelo
Cá dentro a paixão comove
Dancemos o balé das fadas, o romantismo de Tchaikovsky
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Ó tempo que deriva, flecha de Páris, o prenúncio do breu
Aves em coro no ocaso de mim
Fantasia efêmera, qual lúgubre crepúsculo!
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Vaticínio, assombro, tormenta! Afoguei-me em saliva benta na antessala do declínio
Encostei-a em meu ombro e suspirei verbo latino
Difficile est longum subito deponere amorem
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Pois que na tarde derradeira, viu-se flagrante dor do adeus
Soluçando um amante, à soleira de um coche
Com galope elegante um cavalo me levou aonde não queria eu
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Pode ser a noite mansa, mas não a minha sina
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Sob o plenilúnio, um homem e sua cruz
Condenado à poesia por paixão ao uterino
Pois que sofrendo em declive
Pelos séculos busca a fonte
– Que emana –
Não a morte, rumo de quem vive
Mas a sorte, roleta russa de quem ama.
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Um velho amante do destino
Das mil estradas cruzadas
Coração em desatino
Pelas mil lágrimas derramadas
Ainda que não sejam suas
Pois pertencem a mil amadas
Veste a alma a carapaça
Jamais demonstrar fraqueza
Mas dentro é cheio de graça
Decoro e gentileza
Escreve firme o poeta amante
Velho amigo do próprio destino
No passado uma dor cortante
Fez homem quem foi menino
É seguro, ao menos por fora
Por dentro carrega um peso
Vai logo, não se demora
É urgente sair ileso
Na liberdade encontra alento
Sem dores pra recordar
Curva-se sempre ao próprio tempo
De partir e de ficar
Por isso tanto viaja
Escreve o próprio destino
O caminho é a sua casa
Do homem e do menino